quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Fantasmas da vida real

Manhã de Histórias fantástimagóricas..... escurinho.... criançada reunida, uuuuuuivos, arranhões, uuuuuuuuuu
"meu pai morreu com 4 tiro da polícia"
"meu vizinho lá de cima levo 1 aqui ó"
"meu ermão tava robando e levo uma tunda com ferro na cabeça"

Fantasmas existem? Talvez, mas não são eles que fazem buu na vida destes pequenos.
Sem determinismo, mas a dura escolinha da vida deles os faz apto aalguns vestibulares e apartados de outros tantos. Então, a estranha no ninho sou eu. O que quer dizer respeito para eles? O que quer dizer felicidade? A sobrevivência é quase uma sobrevida, que não vale mais nem menos que a minha, estranha no ninho, uma querida estranha no ninho, que oscila entre o espanto e a compreensão bem sentada no seu sofá escrevendo sobre o que vive com eles dentro de um espaço-santo, em que se sentem seguros, alimentados, ouvidos, mas... que pouco se comunica com as perspectivas garantidas pela posição social em que nasceram.
Matemática da bala perdida?
Ciências da desnutrição?
Estudos Sociais dos de baixo?
Ed. Física da defesa pessoal?
Ed. Artística do esgoto?
Português da negociação dos que servem sem escolha?
macaquinhos e macaquinhas coletando folhas de goiabeira e de boldo. 
"deeeeeeeeeeeesçam dai!!" chamado dos superiores.
"mmmmas a soooooora deixooooooooou"
e a sora já com o pé na árvore, volta e chama a macacada de volta a sala. 
primeira cumplicidade nossa. Inicia-se as trocas silenciosas de olhares, de macaquinha a macaqinhs!

Teto para a sora 2

hoje um dos meninos que buscou teto para a profe aqui e eu nos encontramos na biblioteca, ele todo atrapalhado com uma prova de interpretação textual. O texto mal xerocado, extraído do trecho do fim do capítulo de um livro perdido na internet...  Sentei ao seu lado, pedi que lesse, as sílabas saiam como pedras da boca. Li eu. Li de novo, Comentamos. Tentamos encontrar na internet a autoria. Li de novo. Interpretamos oralmente. Depois, a escrita, devagar, marcamos outro encontro para ver questões da gramatica e leitura. Quem se move para buscar moradia para o outro, merece ler o mundo por conta!
!

Teto para a sora

cena para guardar no coração eternamente: havia pedido sugestões de lugares, caso soubesse, para alugar no bairro. Hoje, três meninos vem ao meu encontro eufóricos contando que "sooora, sora, sora, tem uma casa aqui do lado, vem ver, vem, vem, a gente já pediu pra dire, ela deixooooooou!!"
E lá fomos nós portão a fora, atravessando praças e jardins do morro até encontrar uma placa de aluga-se. 
"Ohhh moooooço, tu sabe da casa pra alugar??? Casa pra alugar, esta ali da placa!"
'qual o nome da dona??' (anotando na mão o nome e telefone de contato)
Eu na espera, guarnecida pelos meninos empenhados na minha moradia. Inesquecível.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Manhã de Histórias fantástimagóricas..... escurinho.... criançada reunida, uuuuuuivos, arranhões, uuuuuuuuuu
"meu pai morreu com 4 tiro da polícia"
"meu vizinho lá de cima levo 1 aqui ó"
"meu ermão tava robando e levo uma tunda com ferro na cabeça"

Fantasmas existem? Talvez, mas não são eles que fazem buu na vida destes pequenos.
Sem determinismo, mas a dura escolinha da vida deles os faz apto aalguns vestibulares e apartados de outros tantos. Então, a estranha no ninho sou eu. O que quer dizer respeito para eles? O que quer dizer felicidade? A sobrevivência é quase uma sobrevida, que não vale mais nem menos que a minha, estranha no ninho, uma querida estranha no ninho, que oscila entre o espanto e a compreensão bem sentada no seu sofá escrevendo sobre o que vive com eles dentro de um espaço-santo, em que se sentem seguros, alimentados, ouvidos, mas... que pouco se comunica com as perspectivas garantidas pela posição social em que nasceram.

Catarse dos palavrões

Catarse dos palavrões: escrevam todas as palavras que considerem um palavrão! Caixa-secreta lotada de caralho, cacete, putaria, cú, cú, cú, filho da puta, bosta, pau e muuuuuito mais.
Dicionario e conversa sobre cada significado.
Descobriram que caralho é pênis, cacete também, além de porrada e objeto de bater. Prostituição é profissão, cú é sinônimo de ânus, riram da piada quantos anus você tem, porra e é produzido pelo adulto e ajuda a ter filhos,merda, bosta são excrementos que quem come produz, e perceberam que cala a boca é bem mais agressivo que qualquer um deles, vai da intensão ao falar. Entre tantas outras descobertas que provocaram risos e surpresas.
E filho, filha da mãe????
Pensa, pensa, discute, especula:
"deve ser aquele cara que vive do dinheiro da mãe, que não faz nada"
ah, e a sensação do momento: a sora já usou maconha e não tá doida. E que existem muitas drogas consumidas diariamente, até o açúcar, vejam só!
e no filme do Menino Maluquinho, o pião vai rodopiando lentamente até a morte do avô. 
"é o pião da vida." (com um ar de poeta)
"os circuitos do cérebro pararam" (exatidão de cientista)
"aaaaai, que dooooooooor, sooooora, posso chorarrrrrrr???" (dramatizando com uma atriz em cena)

São todos crianças, mesma faixa etária. Sentindo o mundo a sua maneira. E assim cresceram. Na diversidade de óculos do mundo. E eu, nos meus quase 30 anos, revendo as minhas lentes a cada dia.
E, alias, hojé é dia do Filósofo. Um salve a todos os filosofantes não formatados pela academia.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Lembro bem do Chupeta

Lembro bem de um colega da 2ª série, apelido de Chupeta: mais velho, alto, forte, que ia à escola de chinelos havaianas, pé azul, pé preto, consertado com prego. Nos meus 7 anos, ele doía em mim, seu olhar revoltado era um escárnio a minha meninice feliz e bem alimentada. 
Tinha o costume de virar as pálpebras fazendo uma faixa vermelha do inferno na terra. Lembro bem. Evadiu antes do término do ano, deve ter ido acertar as contas com a vida que lhe deram.
Hoje os meninos da nova turma-manhã sinalizaram com a mesma faixa de sangue nos olhos. O horror que me invadiu transpareceu no meu semblante, sai de perto fui ao banheiro lavar o rosto, o Chupeta ainda acerta as contas com a vida que lhe deram, meu deus.

domingo, 10 de agosto de 2014

Cartas para você

Na nova turma-tarde, recebi cartas nas férias: contavam um pouco sobre cada um deles e me enviavam uma palavra-secreta. Antes das férias, lhes passei meu endereço e fiquei no aguardo do carteiro. Dai relembrei este trabalho feito com o 2º no lá na Pintada:

Toda segunda-feira, escreviam um recado para alguém... Ou simplesmente algo que gostariam que fosse lido

no decorrer da semana, passavamos a caixa de cartas na rodinha, e liamos os recadinhos postados

Lanternas Juninas

Preparando a nossa sala para receber o calor junino, aquecendo as mãozinhas e o coração:







a jovenzinha, aparenta estar nos seus 15 anos, passa de mesa em mesa recolhendo avaliações de fim de trimestre dos 5 irmãos menores enquanto a mãe barriguda de 8 meses aguarda na entrada segurando um bebe choroso. Ela senta na cadeira a frente enquanto penso no que dizer sobre o irmão a esta menina que a vida forçou a amadurecer. Pergunto como foram os irmãos, "ah, tudo burro, professora.". E tu, já estudou aqui? "já mas faz muito tempo, antes de eu ter o pequeno." aquele que esta chorando? "não, este lá é meu irmão, o meu tá na casa do primo do meu namorado" ah, ele não mora contigo? "mora as vezes, agora eu to com a mãe pra dar conta deles, eles são uns diabos, a senhora deve saber, só incomodação em casa e aqui". E conta detalhes da vida desgraçadamente sofrida que leva.
Tá. Naquele hora só me ocorreram fatos positivos da convivência com o irmão que é meu aluno, o resto... o resto é o bebe morando com o primo do namorado, o pai sumido e a barriga estourando sem fraldas. Os detalhes sofridos das mediações entre a revolta expressa e a vontade de aprender que vivo todas as manhãs com seu irmão guardo no bolso, e me orgulho de ser forte para me virar em mil e tornar nossas aulas, bons encontros.
Que ao menos durma bem , que conte alegre do irmão elogiado na hora da janta, que carregue uma noticia boa no fim do dia.

vapor além das grades

tema de ficar atento ao vapor hoje retornou assim:
"eu tentei pegar o vapor do banho com um pote de margarina e fazer nuvem!!"
"saiu um monte de vapor da panela e eu coloquei a mão e me queimei"
" sora, coloquei a colher e ficou molhada mesmo!"
"parece um fantasma, sora"
"vamos fazer nuvens aqui na sala, sora??"
Fazer nuvens de vapor.... na escola... Distribuía folhas cheirosas de cidró e guaco, enquanto o vapor subia na térmica e a gurizada pensava em formas de representa-lo e pedia por nuvens na sala, nuvens que nos elevam além das grades curriculares, amém.

o desdesejo de aprender

escrevam ai, o que desejam aprender mais aqui ou fora daqui... 
Uma hora de risadas, brigas, rabiscos, conversas, eu leio um livro, e apenas os mantenho sem que se machuquem entre uma ofensa e outra. 
Na madrugada deste sábado, leio o que escreveram:
ditado, continha, copiar textos, fazer o livro, etc.
Ai, Ai. Pela primeira vez assumo uma turma cuja idade escolar já lhes matou tanto a capacidade de criar, de curiosar o mundo. Nem sei por onde começo. Acho que indo embora. 

sushi do equilibrio

manhã tensa, gurizada querendo mais é embarcar na sexta ao ritmo do batidão atordoou a profe aqui que mais uma vez não conseguiu se acalmar e digerir comida .E a mesma profe que esta semana passou mal com almoço e chegou pálida na escola-tarde, hoje sente falta de um dos meninos... Que se atrasa o tempo de preparar o sushi e levá-lo servido num prato decorado para mim.
Comi devagarinho, absorvendo o carinho do preparo, o equilíbrio do prato naquela mãozinha.
Segunda é outra manhã. Que este sushi se mantenha em mim até la.

CDF

explicando o uso e significado de CDF aos novos alunos, pois um deles trouxe este termo e o usava pensando mais no cú do que no estudioso.
Tem que ter um de ferro pra ficar tanto tempo sentado lendo, pesquisando... É uma cabeça forte.... C nos dois. Bueno, ouço no intervalo a seguinte conversa;
"bah, a sora fala palavrão!!" rsrsrsrs
"mas ela tava explicando, é diferente."
"é, é diferente"
"a sora explica essas coisas mas é firme quando precisa ser né?"
"é, uma sora que fala palavrão e é firme. Acho que ela é legal, né, cara?"
´"é sim, é sim..."
Voltando no ônibus, sentada com a bunda amassada e a mente a milhão, sentenciei que : O cú. A cabeça. Um professor, uma professora precisa de tudo isso na educação . Para ser firme, para estudar, para ser terna, para ensinar, para perceber a aprendizagem, para se alegrar com detalhes que só poucos veem. E para receber com elegância as merdas jogadas de fora.
Iris, febril, vai cedo ao posto de saúde, na volta, acompanha a mãe à escola levar o atestado. "Marília, passa uma coisinha pra ela fazer em casa?"
Enquanto passo a coisinha, conto o que fizemos até o momento e o que ainda faremos até meio-dia. Tchau, beijo, até amanhã, moça!!

alguns minutos, retorna Iris de mochila nas costas, "ele não aguentou ficar em casa, disse que não podia perder mais nada..."

a sora não é do brasil

O fululeco invadiu a escola. Os santos juninos todos estão na fila do beira-rio. As caipiras e os caipiras trocaram a camisa xadreza por uniformes da seleção. Pipoca verde-amarela estrala na panela enquanto minhas crianças confeccionam correntes e bandeiras de jornais e revistas , dançam quadrilha e compartilham costumes de interior. Uma sala onde a copa parece não ter entrado.
"sora, tu não é do brasil?"
Nasci aqui no brasil, sim, como todos vocês....
"não precisa ser verde e amarelo, sora?? qualquer cor??"
"a festa da sora não é a do brasil, Erico, tu não entendeu??"
Não há explicações que os façam entender isso agora, estão com 7-9 anos, é a primeira copa que vivenciam... com uma sora que parece não gostar do brasil. 

bola de meia, bola de gude

Amanhã vamos confeccionar bolas de jornal e tecido, então fui pesquisar letras de músicas boladas, e relembrei que o moleque ainda mora no meu coração e segura minha mão sempre que o adulto fraqueja, bola pra frente!
ps: vontade danada de fazer muitas bolas multicolores com as crianças e sair distribuindo para tods, chutando a sabedoria dos pequenos ao mundo todo. Que venha a segunda, que a cia deles já me faz falta!
http://www.youtube.com/watch?v=G9RS2BkbqHw

organiza o almoço, sora

que fome, galerinha, e ainda to sem comida em casa! 
"vai ter que fazer almoço!"
"e a tua mãe?"
"a sora mora sozinha!!"
"mora sozinha num apartamento ainda!!"
"coitada da sora!"
"oh sora, mas que te ensinou a cozinhar??"
a esta altura, já me convencia da minha miséria em morar num apartamento e não ter um almocinho bom esperando e tampouco dotes para agilizar isso. Quando vieram as soluções:
"tu vai ter que levantar mais cedo e deixar a comida pronta, sora, dai é só esquentar!"
"é, sora, se tu chegar um pouco depois da gente, a gente diz que tu tá cozinhando"
Mas dai eu vou ter que acordar mais cedo e vir com sono pra cá...
"ah, sora, dorme mais cedo!!"
"ou faz antes de deitar, faz mais janta e guarda!!"
claro. tudo é questão de organização, só as crianças pra me lembrarem desta antiga lição de forma tão amorosa.

solidão

na dancinha com todas as turmas para a festa Junina: é na sola da bota, é na palma da mão, bote um sorriso na cara e mande embora a solidão...
"sora, o que é solidão?"
tu já se sentiu sozinha? E isso doeu um pouco? 
Vários relatos, alguns remetiam a saudade, outros ao medo.
"sora, quando meu cachorro sumiu em senti solidão. Eu ainda lembro do latido dele'
"oh sora, tu sente solidão quando tá longe da gente?"
se eles soubesse que os carrego na mente e coração o dia todo, inclusive em sonhos... Professora o dia todo, imersa na turma, se isso é bom, normal, não sei, mas é assim que significo minha vida.

giz de cimento não faz arco-iris

o sol da manhã chamando para o pátio. Coelho-sai-da-toca, amarelinha, arco-iris da mente da profe indo brincar no chão! Cadê giz colorido? Foi trocado pelo sisudo e alcoólatra canetão. Cadê pedrinha? Só tem cimento. 
Um pouco do sol dentro de mim nublou.